Por Douglas da Mata
Não
há nada mais nefasto em formular e executar políticas públicas de
segurança com base na histeria promovida pela mídia, sempre à serviço da
manutenção de interesses e privilégios de uma parcela da população, no
tocante ao atendimento pelos serviços estatais, em geral, destinados em
caráter prioritário às elites e a classe média.
Desde já é preciso dizer que não há nenhuma oposição a satisfação da
demanda desses setores, até porque, se encararmos a segurança pública e o
combate a criminalidade (que não são a mesma coisa, embora sejam
propositalmente confundidas) como uma atividade sistêmica, integrada e
universalista, não deve haver segregamentos de quaisquer espécie.
No entanto, gerir recursos públicos, na maioria das vezes, escassos,
requer determinar o valor de cada bem a ser tutelado pelo Estado, e a
condição e grau de dficuldade que cada grupo ou cidadão que requer essa
atenção tem para ver essa demanda realizada. Em suma: entender que a
vida prevalece sobre todos os outros bens juridicamente tutelados, e que
cada parte da sociedade está mais ou menos sujeita a violação do
direito à vida.
Nesse sentido, parece claro que o poder de mobilização dos mais pobres é
infinitamente menor que das classes mais favorecidas, e isso, em última
instância reflete na atenção reservada pelo Poder Público, ou ao menos,
na qualidade dessa atenção, sempre desproporcional.
Só isso explica o comportamento de alguns setores da mídia, de parte da sociedade e da órgãos públicos de segurança.
É
incrível ler como o Poder Público é instado a repercutir nas suas ações
a escala de valores dos estratos mais altos da pirâmide social, que se
julgam detentores da primazia da defesa do seu patrimônio, quando esse
se encontra ameaçado, em detrimento da defesa da vida dos mais pobres
que são terminadas todos os dias.
Na mídia, a dualidade que expressa uma visão catastrofista e banalizada,
permeada por lugares comuns, falta de zelo e pesquisa sobre causa e
efeito.
Proferem sentenças definitivas de que as mortes cotidianas das
periferias podem colocar em risco o status quo das zonas mais ricas.
Cinicamente, contam os homicídios como se esses eventos não fossem
localizados e representassem uma política extra-judicial de execuções de
penas capitais, ora por sua repetição, ora pela alta taxa de impunidade
que gozam os autores de tais crimes, associados de forma leviana a
disputas de tráfico, para então, justificar ideologicamente as mortes
pela "presunção de culpa" da vítima. Noticiam, de um lado as mortes, e
lucram com isso, mas escondem na ideologia o discurso que "justificam"
tais mortes, quer dizer, como se "apertassem os gatilhos".
Com esse cenário de "terror", está criada a condição para empurrar os
órgãos de segurança para o córner, fazendo com que reajam de forma
atabalhoada, provocados pela paranóia de uma parte da população que tem
voz nos meios de comunicação, corroendo a crença nessas instituições,
que ficam sempre reféns de adular e prestar obediência aos setores que
desejam pautar suas ações. Um estranho e perigoso círculo vicioso, que
transforma segurança pública em proteção de castas.
Isso tudo está nas páginas.
Associações
comerciais, que por "coincidência" controlam os conselhos comunitários
do setor, chamam às falas a Polícia, que de pronto atende, como se o
grande problema a ser considerado no enfrentamento da segurança pública
fosse a violação e subtração de patrimônio de lojistas no centro da
cidade.
E como ficam as vidas dos pretos, pobres das perfiferias? Quem vai
chorar essas mortes, e encaminhar seus pleitos às autoridades?
Em
nossa cidade, como no resto do país, patrimônio vale muito mais que
vidas. Se realizarmos uma mancha criminal e cruzarmos com o efetivo
disponibilizado para prevenção dos crimes, é quase certo que policiais e
viaturas estão quase sempre vinculados às áreas onde se concentram
lojas e bancos.
Se,
no âmbito de polícia judiciária (polícia civil) for realizado um estudo
sobre resolução de crimes, com certeza o índice de julgamento e
encarceramento é muito maior nos crimes contra o patrimônio, que os
crimes contra a vida.
Na mídia, salvo quando morre alguém "importante", homicídio serve apenas
para alimentar o sadismo vouyerista paranóico da sociedade, enquanto
arrombamentos são tratados como assuntos sérios, reuniões, gráficos,
câmeras, propostas, debates, etc.
Infelizmente, não há esperança no curto prazo.