terça-feira, 6 de março de 2012

A paranóia da segurança, o cinismo da mídia e a esquizofrenia do Estado, ou a esquizofrenia do Estado, a paranóia da mídia e o cinismo da segurança


Por Douglas da Mata
 
Não há nada mais nefasto em formular e executar políticas públicas de segurança com base na histeria promovida pela mídia, sempre à serviço da manutenção de interesses e privilégios de uma parcela da população, no tocante ao atendimento pelos serviços estatais, em geral, destinados em caráter prioritário às elites e a classe média.

Desde já é preciso dizer que não há nenhuma oposição a satisfação da demanda desses setores, até porque, se encararmos a segurança pública e o combate a criminalidade (que não são a mesma coisa, embora sejam propositalmente confundidas) como uma atividade sistêmica, integrada e universalista, não deve haver segregamentos de quaisquer espécie.

No entanto, gerir recursos públicos, na maioria das vezes, escassos, requer determinar o valor de cada bem a ser tutelado pelo Estado, e a condição e grau de dficuldade que cada grupo ou cidadão que requer essa atenção tem para ver essa demanda realizada. Em suma: entender que a vida prevalece sobre todos os outros bens juridicamente tutelados, e que cada parte da sociedade está mais ou menos sujeita a violação do direito à vida.

Nesse sentido, parece claro que o poder de mobilização dos mais pobres é infinitamente menor que das classes mais favorecidas, e isso, em última instância reflete na atenção reservada pelo Poder Público, ou ao menos, na qualidade dessa atenção, sempre desproporcional.

Só isso explica o comportamento de alguns setores da mídia, de parte da sociedade e da órgãos públicos de segurança.
É incrível ler como o Poder Público é instado a repercutir nas suas ações a escala de valores dos estratos mais altos da pirâmide social, que se julgam detentores da primazia da defesa do seu patrimônio, quando esse se encontra ameaçado, em detrimento da defesa da vida dos mais pobres que são terminadas todos os dias.

Na mídia, a dualidade que expressa uma visão catastrofista e banalizada, permeada por lugares comuns, falta de zelo e pesquisa sobre causa e efeito.

Proferem sentenças definitivas de que as mortes cotidianas das periferias podem colocar em risco o status quo das zonas mais ricas.

Cinicamente, contam os homicídios como se esses eventos não fossem localizados e representassem uma política extra-judicial de execuções de penas capitais, ora por sua repetição, ora pela alta taxa de impunidade que gozam os autores de tais crimes, associados de forma leviana a disputas de tráfico, para então, justificar ideologicamente as mortes pela "presunção de culpa" da vítima. Noticiam, de um lado as mortes, e lucram com isso, mas escondem na ideologia o discurso que "justificam" tais mortes, quer dizer, como se "apertassem os gatilhos".

Com esse cenário de "terror", está criada a condição para empurrar os órgãos de segurança para o córner, fazendo com que reajam de forma atabalhoada, provocados pela paranóia de uma parte da população que tem voz nos meios de comunicação, corroendo a crença nessas instituições, que ficam sempre reféns de adular e prestar obediência aos setores que desejam pautar suas ações. Um estranho e perigoso círculo vicioso, que transforma segurança pública em proteção de castas.

Isso tudo está nas páginas.

Associações comerciais, que por "coincidência" controlam os conselhos comunitários do setor, chamam às falas a Polícia, que de pronto atende, como se o grande problema a ser considerado no enfrentamento da segurança pública fosse a violação e subtração de patrimônio de lojistas no centro da cidade.

E como ficam as vidas dos pretos, pobres das perfiferias? Quem vai chorar essas mortes, e encaminhar seus pleitos às autoridades?
Em nossa cidade, como no resto do país, patrimônio vale muito mais que vidas. Se realizarmos uma mancha criminal e cruzarmos com o efetivo disponibilizado para prevenção dos crimes, é quase certo que policiais e viaturas estão quase sempre vinculados às áreas onde se concentram lojas e bancos.

Se, no âmbito de polícia judiciária (polícia civil) for realizado um estudo sobre resolução de crimes, com certeza o índice de julgamento e encarceramento é muito maior nos crimes contra o patrimônio, que os crimes contra a vida.

Na mídia, salvo quando morre alguém "importante", homicídio serve apenas para alimentar o sadismo vouyerista paranóico da sociedade, enquanto arrombamentos são tratados como assuntos sérios, reuniões, gráficos, câmeras, propostas, debates, etc.

Infelizmente, não há esperança no curto prazo.